segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

Lista das cinco melhores músicas para se ouvir de madrugada durante a insônia

Para aproveitar a insônia, resolvi colocar aqui a lista comentada das cinco melhores músicas (em minha opinião) para se ouvir de madrugada enquanto o sono não chega.

Elderly woman behind the counter in a small town
Pearl Jam

Uma canção linda e simples. A maioria das pessoas acham que é uma música sobre alguém que não consegue se lembrar de um rosto conhecido. Eu, particularmante, acredito que tem mais a ver com as escolhas que fazemos na vida e aquelas que são determinadas pelo comodismo do cotidiano ou sobre envelhecer sem tem a liberdade para escolher o próprio caminho. De qualquer forma, Pearl Jam detona e merece sempre um espaço durante a vigília da madruga.

I swear I recognize your breath
Memories like fingerprints are slowly raising
Me you wouldn’t recall, for I’m not my former
It’s hard when you’re stuck upon the shelf
I changed by not changing at all,
small town predicts my fate
Perhaps that’s what no one wants to see
I just want to scream... Hello...
My God it’s been so long,
Never dreamed you’d return
But now here you are, and here I am
Heartsand thoughts they fade...
Away...

Eu juro que reconheço a tua respiração
Memórias como se fossem impressões digitais
estão lentamente aparecendo
De mim você não deve se lembrar, pois
Não estou como costumava ser
É difícil quando você fica como que atolado na areia
Eu mudei, mas não por completo,
A cidade pequena vaticinou meu destino.
Talvez seja isso o que ninguém quer ver
Eu só quero gritar... Olá!
Meu Deus, há quanto tempo...
Nunca sonhei que você voltaria...
Mas aí está você, e aqui eu estou.
Corações e pensamentos, eles se esvaem
E desaparecem...



Confortably numb
Pink Floyd

Além de representar um desejo que não se cumpriu hoje à noite (o de estar confortavelmente paralisado - pelo sono), a música Confortably numb, do Pink Floyd, é a síntese perfeita da ópera rock idealizada pelo grupo para o disco The Wall. É a figura cruel e depressiva da vida de um rock star e a letra sempre me deixa grilado com a saúde mental do Roger Waters. Fico sempre em dúvida se ele escreveu como uma forma de catarse; para tentar exorcizar algum fantasma do passado, ou como exercício extremo de caracterização do mito do rock star sem perspectiva de vida, como exemplificam os versos abaixo:

When I was a child I caught a fleeting glimpse
Out of the corner of my eye
I turned to look but it was gone
I cannot put my finger on it now
The child is grown, the dream is gone
I have become comfortably numb

Quando eu era criança percebi um reflexo de relance
Com o canto do meu olho
Eu virei para olhar mas já tinha ido
Não consigo colocar meu dedo lá agora
A criança cresceu, o sonho se foi
Eu me tornei confortavelmente paralisado
Down in a hole
Alice in Chains
O Alice in Chains foi um dos grupos que eu tive a oportunidade de acompanhar ansiosamente o lançamento de cada álbum. O segundo disco, Dirt, é um dos melhores registros não apenas da estética grunge, como também do heavy metal como um todo. O disco inteiro pode ser interpretado como uma metáfora para o inferno da depressão causada pela dependência química, daí o nome do disco: Dirt (sujo). O amor pela heroína. A dor causada pela heroína. A atormentadora tentativa de se livrar da heroína. Tudo isso não deixa espaço para dúvida, este é o mais profundo e cru relato de auto-destruição causada pelo vício já gravado num disco. A música em questão resume perfeitamente tudo o que é tratado em Dirt (além do profético destino do vocalista da banda), a começar pela introdução, lenta e agradável, que rapidamente fica fria e sombria, passando pela letra em que Layne Stanley se lamenta: "I have been guilty / Of kicking myself in the teeth" (Eu fui o culpado por chutar meus próprios dentes).
Último romance
Los Hermanos
Sempre fui meio desconfiado com o Los Hermanos. Acho que esse preconceito era por causa da Ana Júlia, que ainda hoje cisma em aparecer em regravações de cantores e grupos que nem vale a pena listar. Ainda bem que consegui vencer isso, pois atualmente, Los Hermanos é a minha banda brasileira preferida. E o disco Ventura, o terceiro deles, traz uma sonoridade única, misturando MPB, samba, rock, pop num amalgama capaz de deixar na indecisão os críticos musicais mais sistemáticos. Último Romance é uma das mais belas canções que já ouvi e combina perfeitamente não apenas com o clima depressivo da madrugada insone, mas com qualquer outra situação.
That’s life
Frank Sinatra
Uma das coisas legais de se escutar música de madrugada durante a insônia é que, com isso, você consegue uma forma de focalizar seus pensamentos. Geralmente funciona assim: você começa a ouvir a música e, de repente, idéias, muitas vezes desconexas, começam a brigar por espaço na mente desorientada. Por isso, depois de umas trinta e tantas músicas que fazem pensar, sempre é bom dar um descanso para o cérebro com algo que você possa simplesmente ignorar. E é aí que chega a vez de escutar o Mr. Ol’ Blue Eyes. Não que a letra seja de todo insipiente (o que pode ser comprovado que não é, pelo trecho abaixo) o fato é que, depois das três da madruga, qualquer tentativa de raciocínio, assim como os reflexos para digitar, é nula.
That's life
That's life (that's life), that's what all the people say
You're ridin' high in April, shot down in May
But I know I'm gonna change that tune
When I'm back on top, back on top in June
I said that's life (that's life), and as funny as it may seem
Some people get their kicks stompin' on a dream
But I don't let it, let it get me down
'cause this fine old world, it keeps spinnin' around
I've been a puppet, a pauper, a pirate, a poet, a pawn and a king
I've been up and down and over and out and I know one thing
Each time I find myself flat on my face
I pick myself up and get back in the race
That's life (that's life), I tell you I can't deny it
I thought of quitting, baby, but my heart just ain't gonna buy it
And if I didn't think it was worth one single try
I'd jump right on a big bird and then I'd fly

I've been a puppet, a pauper, a pirate, a poet, a pawn and a king
I've been up and down and over and out and I know one thing
Each time I find myself layin' flat on my face
I just pick myself up and get back in the race
That's life (that's life), that's life and I can't deny it
Many times I thought of cuttin' out but my heart won't buy it
But if there's nothin' shakin' come this here July
I'm gonna roll myself up in a big ball a-and die

My, my!
Até a próxima.
Marcos

domingo, 19 de fevereiro de 2006

De calças curtas

Eleominilson escutou a porta sendo aberta e rapidamente tratou de fechar a janela do navegador. Na pressa, apertou mais teclas do que devia e o computador travou com o browser aberto, mostrando uma fotografia hardcore de uma loura numa pose tirada diretamente do Kama Sutra. A saída seria desligar o computador de vez, mas, para fazer isso, ele teria de se enfiar embaixo da mesa, deixando o monitor totalmente desprotegido. Era tarde demais, Irisdelfane estava parada na frente dele, de braços cruzados e com a testa franzida. Era melhor disfarçar.

– Oi amor. Tudo bem?

– Não.

Mau começo. Era preciso pensar rápido.

– Você cortou o cabelo? Sua franja está lindíssima.

– Você bebeu, Eleominilson? Eu não tenho franja. E faz mais de um mês que não vou ao cabeleireiro.

– Ah, mas que coisa. Eu achava que esse corte seu chamava “franja”. Vamos lá na sala para você me explicar melhor os nomes dos penteados femininos?

Eleominilson começou a levantar, jogando o corpo na frente do monitor, mas Irisdelfane não se moveu. Ele se sentou de novo.

– Você está na Internet outra vez, não é?

– Na verdade, não. Veja só, o computador travou, e, por falar nisso, você não quer me fazer o favor de desligar a CPU? É só apertar aquele botãozinho ali.

Mas ao invés de apertar o botãozinho, Irisdelfane empurrou a cadeira de Eleominilson e encarou o monitor.

– Não acredito!

Era preciso agir rápido. Partir para o ataque. Mostrar quem usava as calças naquele casamento. E aproveitar para reiniciar o computador.

– Não acredita no quê, Irisdelfane? Você está presumindo que eu fui atrás dessa foto? Está? Mas e se na verdade eu tiver recebido pelo e-mail? E se ela tiver chegado numa mensagem em branco, anônima? Ou pior, numa mensagem do Marcunguduvaldo? Como é que eu não ia abrir um arquivo mandado pelo meu melhor amigo? Ela não significa nada. Essa desconfiança é a morte da nossa relação! Eu posso achar essa loira horrível! Eu posso ter ficado ofendidíssimo com essa imagem. E se você reparar, ela está sem roupas, mas não dá para ver nada, pois tem um rapaz cobrindo os seios dela com as mãos! Tecnicamente, é como se ela estivesse vestida, porque tem um outro rapaz cobrindo a genitália dela com a cabeça. Se ela estivesse vestida você não faria essa cara, não é? Isso é preconceito, Irisdelfane. É a mesma coisa que não gostar de alguém por causa da religião. Por que uma foto da moça vestida é permitido e uma dela sem roupa, mas deitada sobre um rapaz e apoiada sobre outro, num ângulo que só mostra o rosto e os ombros, é o fim dos tempos? Tudo bem, dá para ver essa curvinha das costas, mas isso não conta. Você não esta sendo justa. Se você refletir bem verá que não há problema algum.

– É claro que há problema.

– Putz, não funcionou... (pensou Eleominilson).

Eleominilson tentou fingir um ataque de SCI (Síndrome do Cólon Irritado) e começou a rolar no chão com as mãos na barriga. Porém, Irisdelfane não parecia impressionada.

– Não seja ridículo, Eleominilson. O problema é que você está na Internet há mais de trinta minutos e eu quero usar o telefone. Se ainda fosse para alguma coisa útil, vá lá. Mas se o que você quer é ver foto de mulher pelada, faça-me o favor de ir comprar uma revista, porque eu quero conversar com a Usnavy antes da novela começar.

E com isso ela saiu do quarto. Eleominilson sentou novamente e esperou o computador reiniciar. Por um momento ele até quis ir à banca. Mas, pensando bem, ele estava de bermuda. A Irisdelfane é que estava de calças. Era melhor ficar jogando “Paciência” até o fim do Jornal Nacional.

sábado, 18 de fevereiro de 2006

Instruções para chorar

Julio Cortázar

Deixando de lado os motivos, atenhamo-nos à maneira correta de chorar, entendendo por isto um pranto que não ingresse no escândalo, nem que insulte o sorriso com sua paralela e torpe semelhança. O pranto médio ou ordinário consiste em uma contração geral do rosto e um som espasmódico acompanhado de lágrimas e mucos, estes últimos ao final, pois o pranto se acaba no momento em que se assoa o nariz energicamente. Para chorar, dirija a imaginação para si mesmo, e se isto he resulta impossível por haver contraído o hábito de crer no mundo exterior, pense em um pato coberto de formigas ou nesses golfos do estreito de Magalhães em que não entra ninguém, nunca. Chegado o pranto, se tapará com decoro o rosto usando ambas as mãos com a palma voltada para dentro. As crianças chorarão com a manga da camisa contra a cara, e de preferência num canto do quarto. Duração média do pranto, três minutos.

Instrucciones para llorar
Julio Cortázar

Dejando de lado los motivos, atengámonos a la manera correcta de llorar, entendiendo por esto un llanto que no ingrese en el escándalo, ni que insulte a la sonrisa con su paralela y torpe semejanza. El llanto medio u ordinario consiste en una contracción general del rostro y un sonido espasmódico acompañado de lágrimas y mocos, estos últimos al final, pues el llanto se acaba en el momento en que uno se suena enérgicamente. Para llorar, dirija la imaginación hacia usted mismo, y si esto le resulta imposible por haber contraído el hábito de creer en el mundo exterior, piense en un pato cubierto de hormigas o en esos golfos del estrecho de Magallanes en los que no entra nadie, nunca. Llegado el llanto, se tapará con decoro el rostro usando ambas manos con la palma hacia adentro. Los niños llorarán con la manga del saco contra la cara, y de preferencia en un rincón del cuarto. Duración media del
llanto, tres minutos.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

MSN

Quarta-feira, 22h e 50 min, num bar desses da Asa Norte. Rapaz Pré-Balzaquiano com gel no cabelo (RPBCGC) encontra com Garota Pós-Adolescente Estudante de Letras (GPAEL) enquanto esperam suas respectivas oportunidades de usar o mictório do estabelecimento.

RPBCGC (visivelmente tímido, tenta uma aproximação verbal com GPAEL): Você vem sempre aqui?

GPAEL (deslumbrada com a autenticidade do argumento de RPBCGC): No banheiro, sim. E você?

RPBCGC (sentindo-se vitorioso por ter conseguido derrubar a primeira barreira rumo ao estabelecimento do diálogo): Eu também! Só que no masculino.

GPAEL (dando sinais de entrosamento): É...

RPBCGC (captando o significado implícito daquela vogal): É.

GPAEL: É... Mas essa é a primeira vez que venho a este bar.

RPBCGC: Que coincidência! Eu também!

GPAEL (mudando de assunto): Já são 22h:51min!

RPBCGC (rápido como uma bala): É isso aí, 22 horas e 51 minutos da quarta-feira!

GPAEL (raciocinando): Nossa já é quase quinta-feira!

RPBCGC (dois minutos depois): Putz! É mesmo!

GPAEL (...): Será que vai chover?

RPBCGC (metafísico): Acho que já está chovendo. (Olha para fora e, três minutos depois) Sim, já está chovendo!

GPAEL (mística) É...

RPBCGC: Não há muito espaço aqui, digo, nesses corredores, né?

GPAEL: É... Não há muito.

RPBCGC (tentando reatar o interesse): Que horas são?

GPAEL: 22h e 55 min.

RPBCGC: É... Chegou a tua vez de usar o banheiro.

GPAEL: É...

RPBCGC: Foi legal conversar com você...

GPAEL: É... Até mais...

RPBCGC: Até.

GPAEL entra no mictório e desaparece da vida de RPBCGC. Enquanto esvazia sua bexiga, RPBCGC, pensa que poderia ao menos ter perguntado o nome de GPAEL...

Ah, essas conversas da era do MSN...

sábado, 11 de fevereiro de 2006

O filme cósmico

“Bom, todos nós estamos no filme cósmico, sacou?
Isso quer dizer que no dia que você morre, você
tem que assistir toda a sua vida em reprise eterna,
em Cinemascope e 3D. Então, é melhor que haja
alguns bons incidentes acontecendo lá...
e um final bem apropriado!”
-- Jim Morrison
[1]



A morte prematura de um astro de rock não é mais novidade atualmente. A história da música está cheia de exemplos de jovens cantores que abandonaram a vida no auge da fama e acabaram se tornando mártires: Janis Joplin, Renato Russo, Jimmy Hendrix, Cazuza, Kurt Kobain, Laine Stanley, Rita Lee... A lista poderia se estender por páginas e exemplifica o quanto a filosofia do “e melhor queimar de uma vez que ir apagando aos poucos” tornou-se popular.

Isso hoje. Em julho de 1971, entrar nessa lista era uma atitude muito destemida para um rock star. E é aí que entra em cena Jim Morrison, o líder do The Doors. Pode-se dizer que o Lizard-man – como Morrison gostava de ser chamado – foi o precursor dessa onda de mártires do rock, pois, logo após sua morte, ele foi beatificado pela poética beat (sacou o trocadilho?!) e pelo couro preto. Tanto que para os fãs-órfãos que até hoje peregrinam anualmente para o Perè Lachaise[2], ele é o próprio Che Guevara do trinômio sexo_drogas_e_rock’n’roll.

Escrevo este texto enquanto escuto o disco L.A. Woman, e fico pensando comigo: “O que será que ele diria de tudo isso? Será que ele levaria a sério essa história de mártir do rock?”. Acho que ele provavelmente tiraria um sarro. Morrison não se considerava roqueiro, mas um poeta. Além disso, ele não era tão sentimental em relação à “revolução do rock”, como ele próprio demonstrou em alto e bom som na música “Rock is dead”:

O rock está morto,
Deve haver algo mais em seu lugar.
Morra, morra, morra,
morra...
Está tudo acabado baby

Isso pode parecer cinismo, mas, para mim, ele não era apenas mais um suicida_do_rock como muitos dizem. Acredito a maior lição que podemos tirar de sua morte é que ele escolheu intensidade ao invés de duração. Acho bem mais plausível que ele tenha feito de sua vida um exemplo para todos aqueles que refreiam os próprios desejos e se acomodam diante da mesmice do cotidiano. Ao invés de se conformar, ele preferiu viver a vida em toda a sua potencialidade.

Daí a citação do começo desse texto. Segundo Morrison, não é só porque temos problemas que devemos desistir de viver. Problemas todos têm. O importante é fazer com que o filme cósmico, a nossa vida, nunca caia na monotonia, e que haja sempre algum lance interessante acontecendo, pois, além de sermos os atores principais, após a morte, seremos os expectadores perpétuos.

Fico por aqui, e só para terminar segue mais um pensamento:

"Dizer sim à vida até diante de seus problemas,
mais estranhos e difíceis; o desejo de viver acima
de exaustão mesmo diante dos maiores sacrifícios
- isso é o que chamo de Dionísio, o que entendo
como a passagem para a psicologia do poeta trágico.
Não para se dispor do trágico e da compaixão, mas
para transformar-se na alegria eterna de
transformação, acima de qualquer terror ou piedade".
-- Jim Morrison

Até mais.

Marcos

---------
Notas:

[1]"Well, we’re all in the cosmic movie, you know that! That means the day you die, you gotta watch your whole life recurring eternally forever, in Cinemascope, 3-D. So you better have some good incidents happenin’ in there… and a fitting climax!"
— Jim Morrison, na introdução da música ‘Been down so long’ durante o show realizado no Cobo Arena, Detroit Michigan, em 8 de maio de 1970.

[2] Um famoso cemitério, em Paris, que carrega a reputação de ser o cemitério mais famoso do mundo. Entre seus "hóspedes" estão os escritores Molière (1622-1673), Honoré de Balzac (1799-1850) e Oscar Wilde (1854-1900), o músico Frédéric Chopin (1810-1849) e o espírita Allan Kardec (1804-1869), além do roqueiro em questão.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

O problema de se pensar

Penso na vida.
Penso no que será da vida.
Penso no que vou fazer da vida.
Penso no que fiz até aqui com a vida.
Penso no que os outros fazem com a vida.

Penso em como poderia ser a vida se...
E sempre há um se...
Se fosse assim...
Mas e se fosse assado...
Talvez isso...
ou talvez aquilo...

E o problema é esse,
perco muito tempo pensando.
Quando se pensa demais na vida,
e se esquece de viver,
a vida passa...

domingo, 5 de fevereiro de 2006

Pensar é Transgredir

Lya Luft

Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos.

Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.

Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.

Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: "Parar pra pensar, nem pensar!"

O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.

Sem ter programado, a gente pára pra pensar.

Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.

Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.

Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.

Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.

Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.

Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.

Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.

Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.

Parece fácil: "escrever a respeito das coisas é fácil", já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.

Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.

Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.

Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.

E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.

LUFT, Lya. Pensar é Transgredir, Ed Record, São Paulo.

Noite inesquecível

Um casal está calmamente assistindo televisão à noite. O marido pergunta para a mulher:

- Posso saber por que você está emburrada desde que eu cheguei?

A mulher (toda chorosa) responde:

- Hoje faz 18 anos que nós somos casados e estamos aqui, parados em frente a essa televisão...

- MEU DEUS! Eu estave tão atarefado que esqueci completamente! Perdoe-me, minha querida. Coloque seu melhor vestido de noite que vamos sair. Você terá uma noite inesquecível...

- Ah, querido, eu sabia que você não era um monstro...

À entrada do restaurante, aproxima-se o maitre todo solicito:

- Boa noite senhor! – e fala em seguida para o garçom:

- Preparem a mesa do senhor Fagundes.

A mulher:

- Eles parecem te conhecer bem aqui, querido...

- Ah é!... Acho que eu vim aqui para almoçar com alguns clientes...

Eles acabam de jantar e o marido propõe de irem a uma boate. Na entrada tinha uma fila enorme. O marido diz a mulher que vai arranjar tudo e se dirige ao porteiro:

- Salve Macalé! Como vai essa força?

Macalé:

- Tá muito bem seu Fagundes. Pode ir entrando...

Dentro da boate o dono vem falar com o casal:

- Boa noite Fagundes! - e diz logo em seguida:

- Liberem a mesa do senhor Fagundes...

A mulher desconfiada, pergunta:

- Você vem sempre aqui?

- Ah não! O dono que é um cliente da firma...

Uma vez na mesa, a garçonete vem e diz:

- O de sempre, Senhor Fagundes?

Enquanto isso, uma mulher que começava a cantar em cima do palco, interrompe a música e diz:

- ESTA MÚSICA EU OFEREÇO PARA QUEM?! – e a boate em peso:

- Fagundes! Fagundes!

Depois disto a mulher não agüenta mais e, chorando, sai correndo. O marido vai atrás e eles entram juntos num táxi. O marido tentando apaziguar as coisas:

- Querida, não vamos estragar esta noite maravilhosa, com certeza eles me confundiram com outro Fagundes...

- Você tá pensando que eu sou alguma idiota, seu canalha? Não me toque mais, por favor...

Nisto o motorista de táxi se vira e diz:

- Seu Fagundes, faz 10 anos que a gente se conhece. Vai por mim, vagabundas nós já pegamos às dezenas, mas chata como essa aí, é a primeira vez...

À espera dos bárbaros

Constantino Kaváfis (1863-1933)  O que esperamos na ágora reunidos?  É que os bárbaros chegam hoje.  Por que tanta apatia no senado?  Os s...