sábado, 11 de março de 2006

A luxúria

Um dia desses eu estava sonambulando pela Internet e encontrei um teste que se propunha a medir o nível dos pecados mais cometidos pela pessoa. Segundo o site (http://www.4degreez.com/misc/seven_deadly_sins.html), incontáveis almas têm sucumbido aos sete pecados capitais (avareza, gula, ira, preguiça, inveja, luxúria e soberba) e o questionário serviria para indicar para qual círculo do inferno você será enviado, ou para servir de alerta para que você mude sua atitude e promova uma mudança de comportamento.

Para minha surpresa, meu destino já foi traçado. Eu cometi (e cometo) muitos pecados, mas a luxúria é o que me condena ao inferno. De acordo com o que Dante descreveu na Divina Comédia, meu cantinho lá em baixo é o segundo círculo, onde as almas dos que pecaram por luxúria são continuamente arrebatadas e atormentadas por um horrível turbilhão de vento.


Nessa ilustração de Gustave Doré, Virgílio e Dante observam as almas (condenadas pelo pecado da luxúria) sendo carregadas pelo vento. No primeiro plano, pode-se observar um casal em destaque, Paolo e Francesca. Os dois eram cunhados adúlteros que foram surpreendidos e mortos pelo marido traído.


Dante classifica o pecado da luxúria como o menos grave de todos, colocando-o no círculo mais externo (o primeiro círculo não conta, pois nele só havia os sábios, os poetas, etc.). Isso é demonstrado pela compaixão que ele sente pelos pecadores, se emocionando com o relato de Francesca. A ventania foi a grande sacada poética para o pecado: em vida, os amantes eram levados por suas paixões, que os arrastava como o vento que agora os arrasta no inferno.

Ilustração de William Blake

Como o objetivo desse blog é servir de espaço para minhas divagações e devaneios insones, acho que não serei mal-compreendido se disser que acabo de me lembrar de um artigo do Frei Betto no qual ele trata justamente sobre os pecados capitais. De acordo com ele, a luxúria é a marca registrada da maioria dos clipes publicitários, em que jovens esbeltos e garotas esculturais desfrutam uma vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Ela nasce nos olhos, agita a mente e perturba o coração. O objeto do desejo nos aliena do amor enquanto projeto, aprisionando-nos no jogo narcisista da sedução.

Por mais que eu goste da visão romântica proposta por Dante (aquela de que os luxuriosos levam a vida embalados por suas paixões), tenho que concordar que a visão de Frei Betto é a que melhor se aplica à luxúria em nossos tempos. Ela, é a busca por usar coisas ou pessoas para suprir nossos desejos e necessidades e concentra-se apenas em si mesma; é de natureza egoísta e não aceita compromissos.

E a culpa é das supostas facilidades da vida moderna: elas nos transformaram em autômatos fetichistas controlados pela mídia. Desde pequenos somos programados a buscar a felicidade, mas, não sabemos como encontrá-la e se, por algum acaso do destino a encontramos, não sabemos reconhecê-la. Passamos a vida fazendo coisas que detestamos com o objetivo de ganhar dinheiro para que possamos comprar coisas de que não necessitamos para, assim, impressionarmos pessoas que não nos agradam.

Ah, vida real, como é que eu troco de canal...

Nenhum comentário:

À espera dos bárbaros

Constantino Kaváfis (1863-1933)  O que esperamos na ágora reunidos?  É que os bárbaros chegam hoje.  Por que tanta apatia no senado?  Os s...