sexta-feira, 14 de abril de 2006

Questões

Quarta-feira, 12 de abril de 2006, 19 horas e 15 minutos, Instituto de Letras, UnB, Brasília/DF, Brasil, América do Sul, continente americano, planeta Terra ( a terceira pelota celeste após o Sol).

Uma multidão de alunos enfurecidos se acotovela diante de uma porta fechada e uma janela semi-aberta. Seus olhos, vazios, distantes e cansados, já não vislumbram qualquer sinal de esperança. Destituídos de vontade própria, eles se contentam em reclamar enquanto aguardam. Afixada à porta encontra-se uma lista. Nela constam os nomes de 130 infelizes, pobres criaturas condenadas a passar a noite clamando pelo nome de um homem: Enrique, El Coordenador.

À direita da janela, outra lista com a relação das disciplinas com vagas disponíveis denuncia os sofrimentos pelos quais aquelas 130 almas estarão condenadas: Psicoparasitologia lingüística, Desaprendizagem Gerativa do Português, Língua Francesa Frita III, Português Extrume-e-tal I, Farsa I e II, etc. Do lado de dentro, funcionários bebem cerveja enquanto assistem avidamente o capítulo da novela.

Diante desse cenário, a 130ª alma da lista observa.

Seus olhos, vazios, distantes e cansados, também já não vislumbram sinal de esperança. A porta se abre, o relógio marca 21h:16min, um dos guardiões de Lúcif..., quer dizer, Enrique chama o próximo que seria atendido, é o felizardo de nº 09!

O 130º infeliz fecha os olhos (aqueles que estão vazios, distantes e cansados, e que já não vislumbram nenhum sinal de esperança), e se deixa levar por um turbilhão de pensamentos:

Por que a vida não pode mais ser simples como quando eu era criança?
O que aconteceu comigo?
Onde está o menino que fui?
Vive em mim ou desapareceu de vez?
Como pude sacanear aquele carinha destemido e cheio de planos que fui um dia?
Quando minha infância se foi por que cargas d’água eu não a acompanhei?
O que aconteceu com o Kichute, a Conga e o Bamba?
E com o Falcon?
Por que não consigo me lembrar do rosto de pessoas que foram importantes em pontos cruciais de minha vida?
Será que existe vida após a morte?
Se não existe vida após a morte, porque nos privamos de viver a vida em toda a sua potencialidade?
Será que existe vida em outro planeta?
Se existe, por que vim nascer justo neste planeta?
Será que lá também tem fila?
Tem coisa mais desanimadora na vida que ficar numa fila sem fim?
Tem coisa mais desanimadora na vida que ficar numa fila sem fim, se você sabe que o que você realmente quer não pode ser atendido?
Quem sabe o que realmente se quer?
A quem eu dirijo estas perguntas?

Tomado por um momentâneo lapso de lucidez, o 130º condenado, abriu os olhos (que, de repente, não estavam mais tão vazios, distantes e cansados), olhou ao redor e se despediu dos demais. Jogou fora sua folhinha de inclusão de disciplinas e foi viver.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois é camarada... ainda bem que conseguimos no mínimo devanear quando temos que esperar, aliás esperar para nada!!!

Estive "levando um papo" com alguns amigos e um deles perguntou porque eu ficava tão estressanda no início do semestre se no final eu teria que me estressar de novo... tentei explicar em vão, mas agora descobri como fazê-lo realmente entender: vou deixar seu blog pra ele!

Sabe que depois de ler seu post já até acho que até nas piores situações consegue-se ter algum proveito, mesmo que não seja para si próprio, afinal alguém no mínimo se diverte com a sua narrativa do que deveria ser um simples ajuste de matrícula!!!

Bjus e até!

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