domingo, 27 de maio de 2007

Capítulo 4: heavy metal como fator no desenvolvimento do psicopata

Como os czarnianos nunca tiveram interesse na música denominada “Rock”, podemos deduzir que o primeiro contato de Lobo com o gênero se deu após o misterioso desaparecimento de sua babá. Segundo uma listagem compilada naquela época, o rádio da mulher também havia desaparecido.

O primeiro pedido legítimo de Lobo, ao dois anos de idade, foi divulgado um mês depois, em um programa transmitido pela estação pirata Rock Cósmico Zumbi. Wolfman Wilf, um disk jockey perceptivelmente agitado, leu esta mensagem: “Toque ‘Eu matei meus pais (e não foi por acidente)’, do Oedipus Wrecks, até eu ficar de saco cheio ou vou aí arrancar a porra da sua cabeça fora, sua bicha caquética. Felicidades” assinado: Lobo”.

A partir daquela data, Wolfman Wilf não deixou de tocar a música... E, sem dúvida, Lobo não parou de ouvi-la. Imagine o efeito daquela “canção” – com sua letra ilícita e aberrante, sua batida primitiva e instrumentação selvagem –, tocada ininterruptamente durante anos! Alguém pode imaginar os horrores indescritíveis causados por esta música em uma jovem mente que já estava corrompida?

No início da adolescência, Lobo montou sua própria banda: “O Homem e os Vários Vômitos”. A estréia foi no Festival Czarnia 9 Oitavas Chime-haiku. A combinação de microfonias e sobrecargas elétricas resultou na morte dos jurados, dos espectadores de seis fileiras do setor “D” da platéia e do vendedor da barraca de chá de ervas. Os “Vários Vômitos” (felizmente, segundo alguns) foram inesperadamente decapitados no clímax do primeiro refrão.

Correu o boato de que logo após o show Lobo deu entrada num hospital particular, onde ia instalar um microreceptor de rádio ligado diretamente ao lóbulo auditivo de seu cérebro. Não pude obter corroboração definitiva deste fato, pois, naquela mesma noite, a clínica foi incendiada pouco depois e os funcionários foram encontrados degolados.

Pos isso, podemos concluir seguramente que, desde então, Lobo foi constantemente exposto ao ritmo pulsante, aos gritos agudos e à vulgaridade grosseira características do gênero.

Atualmente, alguns dizem que Lobo começou uma vida nova, tornando-se membro remunerado da L.E.G.I.A.O., a força policial interplanetária de Vril Dox II. Para esses pobres todos iludidos, eu respondo: bobagem! Lobo já está muito pervertido para poder voltar atrás!

A verdade sobre essa questão é a seguinte: Vril Dox enfrentou Lobo numa “batalha épica” e, embora tivesse seus poderes temporariamente ampliados a níveis máximos, no curso lógico dos eventos o czarniano ainda seria capaz de derrotá-lo com relativa facilidade.

O modo com Dox venceu tem sido motivo de perplexidade para muitos. Agora, eu posso revelar como tudo aconteceu: logo no começo da luta, a estação de rádio Rock Cósmico Zumbi saiu do ar! As transmissões foram interrompidas devido a uma falha nos geradores, causada por um imenso meteoro. Aquela música insana que por tanto tempo alimentou a selvageria obstinada de Lobo silenciou! A Rock Cósmico Zumbi ficou fora do ar por duas horas. Sem aquele barulho incessante – um primitivo estímulo cacofônico à loucura, demonismo e matança gratuita –, Lobo perdeu sua vantagem. E a luta.

Forçado em nome da honra a obedecer ao vitorioso, Lobo não teve outra escolha senão ingressar na L.E.G.I.A.O., onde suas arbitrariedades são cometidas contra os criminosos (sem dúvida, antigos “companheiros”).

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Capítulo 3: uma entrevista com a morte

Transcrito 531 – Avaliação psicológica da L.E.G.I.A.O.
Assunto: Lobo

Médico examinador: o falecido Dr. J.A. Gnuoy
Cópias: Vril Dox, Lyrissa Mallor

LOBO: ...quem sentou aqui por último? Essa porra tá mais quente que bunda de prostituta delbiana...

DOUTOR: Bem-vindo, Lobo. Este é apenas um procedimento padrão para os arquivos da L.E.G.I.A.O., eu só vou fazer algumas perguntas, ok? Então vamos começar... O que exatamente você não gosta nos outros seres?

LOBO: Tenta advinhar! Ce ta quase lá!

DOUTOR: Insistindo no assunto, pode me dizer por que quando as pessoas o irritam ou, algumas vezes, nem fazem nada, você as mata?

LOBO: E qualé o problema nisso? Eu não mato só por matar! Sem contrato, sem morte... Sacou? Eu sou matador profissional, assassino da realeza e flagelo da galáxia. Minhas habilidades especiais exigem grana alta. Sem pagamento, sem serviço. Mas quando mato alguém eu não sou pago, geralmente acabo com os caras que me deram calote. Isso eu faço de graça. Encare como um tipo de... serviço público.

DOUTOR: Entendo... Mas o que isso tem a ver com seus amigos?

LOBO: Que “amigos”? Essa pergunta é uma pegadinha?

DOUTOR: Hã... Vamos continuar. Você já encontrou um objetivo na vida?

LOBO: Cê ficou louco? Meu negócio é MATAR e ALEIJAR. Que merda!! Eu suei muito para ser o melhor... O Primo Hombre dessa porra de universo! Ninguém faz melhor que eu! NINGUÉM!!!

DOUTOR: Muito bem. Agora me explique uma coisa: como essa imagem machista de “matar todo mundo e mutilar os sobreviventes” se encaixa com os golfinhos espaciais que estão sob sua proteção? Foi comprovado que você é tão gentil e amoroso com eles quanto é selvagem e cruel com qualquer outro ser.

LOBO: Que conversa fiada é essa chefia? Sai fora! Tá querendo me difamar?É ISSO?!

DOUTOR: N-NÃO! Pelo amor de Deus! Eu só estava querendo saber de que forma você convive com estes dois comportamentos tão distintos entre si...

LOBO: Não convivo. Meus “peixes” são gentis e graciosos, a forma de vida mais pura que eu já encontrei até hoje. Os coitadinhos precisam de mim pra tomar conta deles...

DOUTOR: Entendo... E tenho certeza de que você precisa de alguém como eles. Sim... é isso mesmo. A imagem começa a se forma agora... voltando de moto para o lar em algum ponto remoto do Mar dos Sargaços Espaciais cansado e mal-humorado depois de um dia duro de matança, seu amigos lisinhos brincando e dando cambalhotas a sua volta, esperando seu dono para irem passear...

LOBO: ... (som tamborilando os dedos sobre a mesa, impacientemente.)

DOUTOR: Hã... continuando... Você tem a fama bem difundida de ser o czarniano que matou toda a sua raça para ser único...

LOBO: Não me diga... Aquilo funcionou... não funcionou?

DOUTOR: Bem... sim. Mas, para qualquer ser racional, tal ato de genocídio, nessa escala colossal, é inconcebível. Quero dizer, como alguém pode fazer algo tão grotesco, primitivo e bárbaro...?

LOBO: Você é burro, retardado ou o quê? Eu simplesmente faço. É por isso que sou o único e eles não! HAHAHAH!!! Essa foi boa, hein?

DOUTOR: Mudando de assunto... a despeito de sua reputação assassina, você também é conhecido como um homem de palavra, um homem de honra.

LOBO: É isso aí. Eu não digo uma coisa e faço outra. Você faz uma promessa, você cumpre! Você assina um contrato, você honra! Você jura vingança, você vinga! Por mais tempo que isso demore. É como eu sempre digo: pegue uma arma e nunca desista! HAHAHAH!!! “Arma”, sacou!

DOUTOR: Mesmo se a voz da razão disser o contrário?

LOBO: “Voz da razão”?

DOUTOR: Você realmente é um homem de anomalias extremas... Será que aquele vestígio sutil de gentileza que percebi em você se perdeu totalmente? Alguma vez já se sentiu culpado pelos seus crimes hediondos?

LOBO: “Vestígio sutil de gentileza”? “Crimes hediondos”? Que porra é essa? Alguma piada idiota?

DOUTOR: N-não, não... Eu só estava...

LOBO: Seu veado bunda-mole! Vocês, psiquiatras, são todos iguais: um bando de imbecis que ficam babando pelo canto da boca! A gente perde tempo e dinheiro vindo aqui, age com educação... Sim, senhor... Não, senhor... E o que recebe em troca? Saco cheio! Ou como diria o desgraçado do Vril: “Saturação da bolsa escrotal”... CACETE! Eu vim até aqui, sentei numa cadeira pegajosa e... Hmmm... Ahá! Acabei de ter uma idéia pra derrubar essa tua pose de sabe-tudo! Pra falar a verdade, doutor, acho que chegou a minha vez. Vamos ver o que tem dentro da sua cabeça e examinar o cérebro!

DOUTOR: Não... O que você está fazendo? Fique longe de mim! Eu estou lhe avisando... Eu... SOCOR. AAAAARRRGGHHHH!!!

LOBO: Olha só! O que é essa geléia branca cheia de gominhos? Será que – clic.

* Fim da transcrição *

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RELATÓRIO DE AUTÓPSIA DO DR. J.A. GNUOY: A morte do Dr. Gnuoy parece ter sido causada por um grande traumatismo craniano. No entanto, ressaltamos que isso é apenas conjectura de nossa parte, pois fomos incapazes de localizar a cabeça acima mencionada.
Equipe Médica

sábado, 12 de maio de 2007

Capítulo 2: matança!


O que são essas coisas voadoras parecidas com escorpiões de 117 micra de comprimento, que perfuram a carne, causando grandes bolhas negras e um rápido envenenamento sangüíneo por um período prolongado antes de resultar em uma agonizante e desordenada morte?

Os czarnianos também não sabiam.

E, como um dos efeitos colaterais era a quase paralisia total segundos após a infecção, eles não tiveram muitas oportunidades de descobrir. O que conseguiram foi muitos bilhões de pessoas inexplicavelmente doentes ao mesmo tempo. Em um planeta onde as doenças eram desconhecidas e 99,86% dos acidentes totalmente evitados, este não era um assunto engraçado.

Corpos inchados com ínguas negras exalando um odor rançoso de decomposição amontoavam-se nas ruas. Pais, mães e filhos rastejavam em cego desespero, unidos num grito de dor que se estendeu por todo o planeta, demorando cinco longos dias antes de se extinguir... no silencio gélido e doentio da abominável morte.

E enquanto um planeta morria, seu assassino sorria.

Em uma sacada ornada entre as elevadas torres de Czarnia, o satânico Lobo relaxava. Um copo de neurovinho espumante umedecia lábios ressecados por uma obscena expectativa. Ele passava sua outra mão pelos cabelos – um rápido e gracioso movimento que gastou muitos meses aperfeiçoando. No brilho acetinado da parede, ele avistou seu reflexo, riu e suspirou afetadamente com a visão. Ele se achava definitivamente o máximo!

Sim, senhor! Ele veio de uma longa caminhada desde aqueles dias precoces e cambaleantes, quando era um grande negocio cremar todo babaca que cruzasse seu caminho ou quando suas aspirações se resumiam a assassinatos simples e insalubres. Na escola, a violência quase o entediou, mesmo em seus piores extremos. Ele detestava todos que encontrava, e os tratava de acordo. Todo o planeta Czarnia conhecia e temia o seu nome.

Nenhuma solução quanto a existência e Lobo foi encontrada. As súplicas ao seu lado benevolente não surtiram efeito, pois ele próprio declarou desconhecer o que era “piedade”. O uso da ameaça, totalmente estranha aos costumes czarnianos, foi logo considerado, mas logo abandonado quando perceberam que ninguém saberia ou teria coragem para fazê-lo.

E, quanto mais Lobo piorava, mais Lobo gostava...

Até agora, no final de sua adolescência, seu ego monstruosamente inflado deu o passo derradeiro. Empregando uma inteligência que, em diferentes circunstancias, teria feito dele o maior neurocirurgião do Universo de todos os tempos, Lobo pôs mãos à obra na aula de Biologia.

Ele veio com umas coisas voadoras parecidas com escorpiões de 117 micra de comprimento, que perfuram a carne. Se alguma testemunha tivesse sobrevivido, ela nos contaria sobre a risada assustadora que cortou o ar enquanto ele quebrava os desprezíveis frascos da morte. A gargalhada fluiu com o vento e muitas das vítimas poderiam jurar que, mesmo sentindo as picadas dos milhões de insetos em seus corpos, o eco daquela risada profana os amedrontava mais... se alguma testemunha tivesse sobrevivido.

Em sua sacada, Lobo, o Senhor da Morte, ergueu seu copo em um brinde final. Um estranho êxtase percorreu sua espinha. Complexas reações químicas em seu cérebro o levaram a um estado de mística euforia. Por um momento, ele se lembrou de Daline Zaand, seu primeiro amor, de suaves curvas e hálito doce e morno. Um fogo brando percorreu seu sangue. Um gemido baixo irrompeu de suas entranhas, deixando rijo cada músculo de seu corpo.

Matar um planeta era como Daline Zaand... só que bilhões de vezes melhor.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Capítulo 1: uma serpente no Éden

Não muito tempo atrás, em uma galáxia tão incrivelmente remota que, durante toda sua longa história, jamais teve contato com outros sistemas solares, existia a Perfeição. Nós a chamávamos de Czarnia. Terra do coração. Harmonia. Céu. Lar de uma das mais nobres e maravilhosas raças que já afloraram do ventre universal.

Czarnia. Paraíso de paz, amor e felicidade, onde os dias eram longos e as noites doiradas. Um mundo no qual todos os sonhos se realizavam. Não havia guerra, nem fome. A morte existia apenas para aqueles que a escolhiam como uma alternativa de vida eterna. Não havia violência, ou, nem mesmo, um termo para “briga”, “disputa” ou “ódio”, além do que seria traduzível como: “Eu discordo brandamente de você e desejo estabelecer um diálogo visando a uma resolução. Antes, entretanto, vamos compartilhar de um pouco de néctar ou ambrosia enquanto admiramos a forma perfeita de algum esteticamente enlevado trabalho artístico”.

Mas a serpente nasceu no Éden... e o nome do demônio era Lobo.

É dito que a parteira sentiu uma estranha e desconhecida sensação na hora do nascimento. “O diabo!”. Ela gritou. “O diabo encarnado!”. Ninguém sabia do que a mulher estava falando. Aquela mártir anônima recebeu a duvidosa honra de ser a primeira vítima do Lobo. Ela tornou-se a primeira doente mental do planeta em mais de dez milhões de anos, e ninguém jamais soube por que se recusou a reproduzir os quatro dedos que o maléfico Bebe das Trevas arrancou com uma mordida. Os maiores pensadores de Czarnia – as melhores mentes que já existiram – passaram anos analisando o fenômeno Lobo. Foram infinitas teorias: o Gene Anômalo; Possessão Demoníaca; Hipótese do Bode Expiatório, segundo a qual afirmavam que ele era o modo de o Universo balancear a superabundância de coisas boas em Czarnia; a Seita da Incerteza das Coisas de Heideleidle, cujos seguidores insistiam que Lobo “aconteceu” em Czarnia por mero azar, pois ele iria se manifestar de qualquer forma em algum lugar ou algum tempo.

Outros, como a professora de jardim da infância Lubla Blak, não tinham tempo para fantasias. “Lobo era um bastardo perverso”, disse ela em sua entrevista pouco antes de sua morte prematura causada por um misterioso bombardeiro napalm. Lubla acreditava que, por alguma peculiaridade, o poder mental pleno dos czarnianos canalizados para a intensificação da vida foi revertido no surgimento de Lobo. Toda sua vontade, sua energia, sua habilidade era direcionada no que pode ser chamado de destruição generalizada.

Com toda certeza, ele abriu um atalho através da intelectualidade gloriosa do sistema educacional czarniano. Ele nunca estudou e, já que podia surrar um colega (ou um professor), logo passou a “administrar” sua escola. Mesmo com a idade de 5 anos, o diabólico garoto era incrivelmente feroz. Esta característica foi testemunhada pelo seu primeiro e único diretor. Egon N’g, que teve a garganta rasgada durante um acesso de raiva do rebelde estudante. Quando os vizinhos o encontraram, uma mensagem escrita com sangue no chão: “Minha fé na bondade natural da ordem das Coisas foi severamente abalada, se não totalmente destruída. Eu me uno ao universal. Adeus, Paraíso! P.S.: para o seu bem, criem os conceitos de Punição, Polícia e Prisão”.

Sim, para tal recado foi preciso muito sangue. E, Consequentemente, o Sr. N’g levou um bom tempo morrendo. Houve calorosas discussões. Enquanto isso, nas salas de aula de Czarnia, sangue derramado, corpos mutilados e ossos quebrados marcavam a evolução da Serpente. Uma era havia terminado. Na longínqua galáxia um tambor abafado começou a ser batido, anunciando a passagem da perfeição.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Caçador de mim

Milton Nascimento
Composição: Luís Carlos Sá e Sérgio Magrão

Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim

Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim

Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura

Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim

À espera dos bárbaros

Constantino Kaváfis (1863-1933)  O que esperamos na ágora reunidos?  É que os bárbaros chegam hoje.  Por que tanta apatia no senado?  Os s...